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Com contraceptivos custando até 25 vezes o salário mínimo, mulheres venezuelanas perdem o controle sobre as próprias vidas

11 de março de 2021

No momento em que Johanna Guzmán, de 25 anos, descobriu que estava grávida do sexto filho, começou a chorar, arrasada com a ideia de dar à luz outra vida em um país aos pedaços. Durante anos, conforme as dificuldades iam se agravando cada vez mais na Venezuela, ela e o marido vasculharam clínicas e farmácias em busca de qualquer método contraceptivo, quase sempre em vão. Foi assim que tiveram um terceiro filho. E o quarto. E o quinto.

Guzmán já preparava refeições paupérrimas em fogo de lenha, lavava roupa sem sabão, dava aulas sem papel. Já vivia o medo constante de não poder alimentar todo mundo. E agora, mais um filho? “Tive a sensação de estar me afogando”, descreve.

Enquanto o país entra no oitavo ano de uma crise econômica sem precedentes, um drama profundamente pessoal se desenrola dentro de casa: milhões de mulheres que já não conseguem encontrar contraceptivos ou não têm condições de comprá-los, levando muitas a encarar uma gravidez não planejada num momento em que mal podem alimentar os filhos que já têm.

Na região de Caracas, a capital, um pacote com três preservativos custa US$ 4,40, quase o triplo do salário mínimo mensal nacional, que é de US$ 1,50. As pílulas anticoncepcionais saem por cerca de US$ 11 por mês, enquanto o DIU (dispositivo intrauterino) pode chegar a mais de US$ 40, ou seja, mais de 25 vezes o salário mínimo – e isso sem incluir a consulta para a colocação do acessório.

Com o custo dos contraceptivos tão impraticável, as mulheres cada vez mais estão apelando para o aborto – que é ilegal e, na pior das hipóteses, pode lhes custar a vida.

A situação é bem diferente daquilo que o governo federal já chegou a prometer para mulheres e meninas: Hugo Chávez, “pai” da revolução nacional de inspiração socialista, declarou que sua gestão garantiria às mulheres um feito inédito: participação igualitária e integral na sociedade.

O então presidente colocou as mulheres nos corredores do poder e estabeleceu na Constituição o direito feminino de “decidir livremente” quantos filhos o casal gostaria de ter. Em uma região onde o aborto é amplamente proibido, faltou pouco para que ele o legalizasse, mas os contraceptivos eram subsidiados e amplamente disponíveis.

Não só ele como seu sucessor, Nicolás Maduro, declararam-se publicamente como feministas – mas aos poucos o controle deste último sobre a nação foi se transformando em autoritarismo, e a economia da Venezuela desabou sob o peso da corrupção, da má administração e das sanções norte-americanas.

O país que já chegou a ser o mais rico da América Latina acabou amargando uma crise que os economistas consideram a pior do mundo das últimas décadas em tempos de paz, com a população castigada pela inflação galopante e pela carestia generalizada.

Os venezuelanos hoje enfrentam um sistema de saúde tão alquebrado que não tem condições nem de fornecer os contraceptivos mais básicos. Em meio ao colapso generalizado, estes praticamente sumiram das clínicas públicas, disponíveis apenas nas farmácias particulares a preços exorbitantes.

As consequências disso mudaram e continuam alterando a vida das mulheres, que normalmente arcam com a maioria das responsabilidades do cuidado com os filhos em um momento crítico que só reforça o desafio parental.

Para Anitza Freitez, demógrafa da Universidade Católica Andrés Bello, de Caracas, essa dinâmica pode ditar as regras do país durante várias décadas, criando um “círculo vicioso de pobreza”: de acordo com dados do Ministério da Saúde, com o desmantelamento das maternidades a taxa de mortalidade materna subiu 65 por cento entre 2015 e 2016. Depois disso, o governo parou de divulgar dados.

Fexsibel Bracho tinha 24 anos e três filhos quando procurou uma clínica clandestina para interromper a gravidez, em janeiro. O procedimento, realizado com um gancho, perfurou-lhe o útero, causando uma hemorragia que a levou à morte em dois de fevereiro. “Ela não tinha condições de comprar anticoncepcional”, explica Lucibel Marcano, de 51 anos, que acompanhou as últimas horas de vida da filha, vendo seu rosto perder a cor.

Representantes dos ministérios da Saúde e da Mulher não comentaram.

Fonte: O Sul

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