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Lidar com demência de familiar exige compreensão de sua limitação

3 de agosto de 2018

Cuidar de um parente com demência é difícil, exige doses extras de peciência e dedicação. Mas também pode ser perigoso quando o cuidador se sobrecarrega e não encontra tempo para olhar para a própria saúde.

Quando os primeiros sintomas surgem, é comum que as pessoas se assustem e demorem a entender como lidar com um familiar que começa a desenvolver algum tipo de demência. De acordo com o neuropsiquiatra Lucas Mella, do Serviço de Neuropsiquiatria Geriátrica da Unicamp, a partir deste momento, toda a família precisa se adaptar à mudança. “O impacto é muito intenso e vai aumentando ao longo da evolução da doença”, explica.

Pesquisas desenvolvidas em todo o mundo apontam que entre 70% e 80% dos pacientes idosos com demência são cuidados, exclusivamente, por alguém da família. Segundo estudo publicado pela Sociedade Americana de Gerontologia, a pessoa responsável por cuidar é, em mais da metade dos casos, do sexo feminino, especialmente esposas ou filhas do paciente.

Uma pesquisa desenvolvida pelo Departamento de Pós-graduação em Gerontologia da Unicamp aponta que casos em que homens são os principais cuidadores são raros, “apesar de haver uma tendência de aumento em virtude das mudanças demográficas e econômicas em curso em vários países como o Brasil”, diz o estudo.

O impacto [na família] é muito intenso e ele vai aumentando ao longo da evolução da doença

Lucas Mella

O mineiro Alexandre Castro, 40, é uma destas exceções. Há oito anos ele deixou de exercer a função de comerciante para cuidar da mãe, Adeir Castro, 80, que convive com o mal de Alzheimer há 12 anos.

Ele conta que hoje a mãe enfrenta um estágio avançado da doença, praticamente sem conseguir falar, reconhece poucas pessoas e esboça poucas reações. “Ainda consegue caminhar, mas tudo tem que ser com o meu auxílio”, diz. Alexandre cuida da mãe de segunda a sexta, 24 horas por dia. A irmã e a cunhada assumem a responsabilidade em dois finais de semana por mês.

De acordo com Mella, casos em que uma pessoa assume sozinha a tarefa de cuidar de um parente com demência são comuns, mas exigem atenção. Também é comum que o cuidador desenvolva problemas como depressão e ansiedade, segundo o neuropsiquiatra.

O desafio da adaptação

A primeira dificuldade no trato com um paciente com demência costuma ser encontrar a melhor forma de reagir à falta de memória, ou delírios.

O neuropsiquiatra Lucas Mella explica que a doença é progressiva, o que significa que os sintomas começam de forma lenta e os sinais iniciais muitas vezes não são percebidos. “Os esquecimentos ocasionais, a perda de interesse e sintomas depressivos leves costumam ser interpretados como sintomas normais do envelhecimento”, explica o médico. Em muitos casos, a família só procura ajuda médica quando os sintomas são mais evidentes, quando a perda de memória leva à incapacidade ou alterações de comportamento.

Ao receber o diagnóstico, é comum a família querer lutar contra a doença, querer que o paciente se esforce para lembrar das coisas. “Um exemplo é a senhora que não consegue mais cozinhar, mas a filha insiste porque acha que ela precisa cozinhar para não esquecer. Isso não é possível e só vai expor a paciente a uma situação que ela não consegue mais lidar”, explica o especialista. Para ele, este tipo de situação gera ansiedade no paciente, é preciso aceitar as limitações da pessoa com paciência.

O especialista também destaca que não existe uma “receita de bolo” que explique como lidar com uma pessoa que sofre com demência, mas a compreensão é sempre o melhor caminho.

“A ideia é entender que aquela situação de contar a mesma coisa, de esquecer o que fez ou não reconhecer as pessoas é porque o paciente realmente não se lembra, não é uma falta de esforço, é uma incapacidade”, explica.

De acordo com o especialista, ser rude e corrigir, pode causar frustração e ansiedade, além de retraimento social ou depressão. “Isso varia de acordo com a personalidade de cada um, mas é preciso impedir que a incapacidade repercuta de forma negativa”, afirma.

Em fases mais graves da doença, o desafio é ainda maior porque o cuidador precisa lidar com situações de incapacidade. É quando o paciente não consegue fazer tarefas simples sozinho e precisa de cuidados prático como dar banho, alimentar, ajudar a se locomover.
“Esse é outro momento que acaba sendo difícil porque que a intimidade da pessoa. Alguns filhos têm vergonha de fazer a higiene pessoal dos pais”, destaca Mella.

O especialista também diz que é comum que, neste momento, as relações sejam revistas. “Estes cuidados envolvem muitos aspectos da relação, de repente, a filha precisa cuidar de um pai que sempre foi violento, ela precisa ressignificar a relação, isso pode ser muito difícil”.

Cuidadores também precisam se cuidar

A pesquisa desenvolvida pela Unicamp analisou, especificamente, a qualidade de vida de idosos que cuidam de idosos que sofreram um AVC ou têm algum tipo de demência. O resultado indicou “altos níveis de sobrecarga” e “piora na percepção da qualidade de vida nos domínios controle, autonomia, prazer e realização” dos cuidadores.

A tarefa de cuidar de alguém com demência pode ser desgastante e é por isso que os cuidadores não podem esquecer de cuidar de si mesmos.

De acordo com o neuropsiquiatra, existe uma recomendação para que os médicos que atendem pacientes com demência também olhem para os cuidadores.

“Os sintomas de depressão são muito comuns e com a evolução da demência, a porcentagem de cuidadores com depressão aumenta”, explica Mella.

Quando a sobrecarga começou a comprometer a própria saúde, a carioca Cristiane Almeida, 44, teve que pedir a ajuda da filha, Bianca Almeida, 28. Hoje as duas se revezam nos cuidados da mãe de Cristiane, Márcia Elvia Almeida, 70, com demência há um ano. No próximo mês, ela deve fazer um exame para confirmar se o problema é o mal de Alzheimer.

“Eu estava ficando muito cansada, minha mãe ficava noites sem dormir, eu caí doente, tive que trazer minha filha para me ajudar. Meus irmãos não costumam vir, era eu sozinha para tudo, agora conto com ajuda da minha filha e as coisas ficaram mais fáceis”, desabafa Cristiane.

O médico explica que este tipo de situação é comum e que filhos e cônjuges são os mais sobrecarregados. Para diminuir o problema, cuidadores profissionais podem ajudar, mas o ideal é que exista um rodízio entre os familiares.

“Uma pessoa sobrecarregada ou com sinais de depressão, não consegue cuidar como deveria, ela tolera menos os sintomas, fica mais difícil lidar com as mudanças de comportamento, com a falta de memória”, diz o médico.

Fonte: R7

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